Instituto Pacs realiza primeira Gira de Diálogos da Caravana Contra os Racismos Religiosos, com participação do professor e escritor Luiz Rufino

O Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) realizou em sua sede, no centro do Rio de Janeiro, durante os dias 13 e 14 de fevereiro, a primeira Gira de Diálogos, espaço formativo da Caravana Contra os Racismos Religiosos, que contou com a participação de toda a equipe do Pacs e com a mediação do professor, pesquisador e escritor Luiz Rufino, junto com sua aluna e orientanda, Yasmin Menezes. Filho de pai e mãe cearenses, Rufino nasceu na Baixada Fluminense e cresceu no subúrbio do Rio de Janeiro. Hoje é pedagogo, mestre e doutor em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), com pós-doutorado em Relações Étnico-raciais pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet). É professor da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF/Uerj) e já publicou diversos livros – Pedagogia das encruzilhadas (2019), Vence-demanda: Educação e descolonização (2021), Cazuá (2024) e outros.

“No encontro, refletimos coletivamente sobre as complexidades, caminhos e descaminhos para enfrentar o problema do racismo religioso no Brasil e nos debruçamos no diálogo sobre as relações entre o catolicismo e as religiões de matriz africana e indígenas, o que chamamos de ‘sincretismo religioso’, termo que nos instigou a realizar a atividade”, conta a assessora político-pedagógica do Pacs, Thais Matos.

Ela explica que o termo apresenta uma série de problemas, “ora por uma roupagem pacificada, que ameniza o processo de violência do cristianismo contra as religiosidades negras e indígenas, ora por simplificar demais o processo de elaboração, que passa longe de um simples disfarce ou fusão de divindades”. Sendo assim, “a formação teve como objetivo encarar essa encruzilhada, sem necessariamente escolher uma via, nos aproximando do entendimento de que sem acolher o caráter múltiplo, contraditório, violento e criativo dessa relação, não é possível entender o Brasil”.

Equipe do Pacs participa de atividade formativa com professor Luiz Rufino

Durante a atividade, Rufino recordou o papel desempenhado pela Igreja Católica durante a colonização, destacando como a sua lógica contribuiu para a implementação do projeto colonial, impondo princípios etnocêntricos, baseados nas perspectivas europeias e cristãs sobre cultura, identidade, civilização e progresso, com o objetivo de promover uma uniformização do mundo e da diversidade de povos que o habitam. Para este projeto de dominação colonial, “o problema não é só com a fé do outro, é com o mundo do outro”, resumiu Rufino.

O professor também chamou a atenção para os contornos individualistas dessa lógica, destacando que ela promove o esquecimento de mundos e de possibilidades de modos de viver, as monoculturas produtivas e dos afetos, o extermínio sistemático de práticas e valores comunitários – o chamado “comunitaricídio” – e a “cosmofobia” – termo cunhado por Antônio Bispo dos Santos para se referir à recusa da natureza, da diversidade e da possibilidade da diferença.

Revisitar e refletir sobre esse período histórico continua sendo fundamental nos dias de hoje, porque, como bem lembrou Rufino, “o colonialismo não venceu, nós ainda estamos em guerra”. A lógica fundamentalista do projeto colonial imposto aos países do Sul Global também é a lógica do racismo, do patriarcado e da dualidade humano-natureza – que são os pilares que sustentam o capitalismo moderno.

Além disso, esses fundamentos também continuam sendo utilizados para justificar práticas de terrorismo religioso, expressão para a qual Rufino chamou a atenção, destacando a importância de mobilizar o termo, que traz a necessária radicalização na leitura das práticas violentas contra comunidades de matriz africana, para demonstrar que a herança colonial é como um carrego. É um contínuo de terror que produz violências cotidianas, exercendo ataques não somente aos corpos físicos e aos territórios dos praticantes de religiões de matriz africana, “mas também como ofensiva às dimensões sensíveis e profundas da existência”, como descreve Rufino e Marina Santos de Miranda, no artigo “Racismo religioso, política, terrorismo e trauma colonial”, que está disponível aqui.

Montagem com foto da Gira de Diálogos da Caravana Contra os Racismos Religiosos e foto do professor Luiz Rufino

Para Rufino, “a colonização nos escolarizou, mas agora cabe a nós desaprender os cânones”, para aprender com os encantados e toda a sua diversidade.

Em contraposição ao individualismo, coletividades negras forjadas em contextos adversos – como os povos de terreiro – defendem a comunidade como um princípio de sobrevivência e potencialização da vida. Assim, constroem formas alternativas de ser e estar no mundo. Para muitos, a experiência religiosa é um processo de “reontologização” – ou seja, a oportunidade de reconstrução de um senso de valorização da própria existência, um exercício de desfazer traumas gerados pela colonialidade, sobre os corpos e mentes das pessoas racializadas.

As macumbas estão presentes nas experiências individuais e também na experiência coletiva da nação brasileira. Atravessaram o tempo e as distâncias. Rufino nos convidou a buscar na memória aquela vizinha benzedeira ou aquela lojinha que vendia vela e pemba, que ficava nas esquinas ou nos fundos de quintal, principalmente das periferias. Esse endereço não é por acaso. A coincidência entre a presença dessas práticas e o perfil dos sujeitos periféricos demonstra como o terreiro, suas práticas e seus saberes são uma forma de manutenção da vida.

Para Rufino, as pedagógicas dessas comunidades são referência para pensar a nossa atuação contra o avanço dos fundamentalismos hoje. Ele defendeu que “o nosso plano de ação é ancestral” e que “a gente precisa batalhar por um Brasil em que caibam vários mundos”. 

Gira de Diálogos da Caravana

A Gira de Diálogos foi encerrada com a seguinte reflexão: Qual é, então, a política feita pelos mortos, pelas entidades que baixam nos terreiros?

Um dos fundamentos da umbanda é que as entidades vêm, cada uma em sua linha de trabalho, para nos ensinar. Das suas formas bem particulares, desenvolvem pedagogias através das encruzilhadas, das gingas, “da fumaça jogada no assombro”, como disse Rufino. Ou seja, as entidades nos orientam e nos acompanham, assim, no enfrentamento ao carrego colonial, que se manifesta também através do racismo religioso.

Após a atividade, a assessora do Pacs, Thais Matos, concluiu que “se a violência contra as comunidades de matriz africana é estratégia articulada dos agentes do fundamentalismo, gingamos e imaginamos mundos sagrados e profanos onde lógicas comunitárias são diretriz como exercício de soberania”.