Entrevista realizada em 14 de julho de 2021
Fotos: Reprodução / Rede Tumulto
Em mais de 1 ano e meio de pandemia, não é só o cenário da Covid-19 que afeta o cotidiano da população. Além dos atrasos nas vacinas, a dificuldade em obter o auxílio emergencial, o desemprego, a escassez de água e a violência, mais de 19 milhões de pessoas estão em situação de fome e insegurança alimentar, o que afeta principalmente os territórios periféricos e favelados do campo e da cidade, as populações negra, indígena e outras comunidades tradicionais. Através de alternativas populares e estratégias coletivas de autogestão, movimentos sociais, coletivos e grupos resistem, enfrentam e transformam essa realidade.
O Plano Popular Alternativo ao Desenvolvimento (PPAD) traz a série Autogestão na Pandemia, com quatro entrevistas de coletivos, grupos e movimentos sociais que fazem parte do Coletivo Autogestão, criado a partir do Curso Autogestão, promovido anualmente pelo Instituto Pacs. A segunda conversa é com Yane Mendes, cineasta periférica e coordenadora da Rede Tumulto, de Pernambuco. A Rede Tumulto atua com processos de articulação, mobilização e produção com moradores de favelas da cidade do Recife, em Pernambuco. A rede surgiu em 2019 e tem o foco na juventude a partir das áreas de comunicação, tecnologia e educação popular.
O material foi produzido por Isabelle Rodrigues, Aline Lima, Yasmin Bitencourt e Rafaela Dornelas, que fazem parte do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs).
Instituto Pacs: Com o que o seu coletivo atua e qual a sua participação nele?
Yane: Eu sou uma das coordenadoras da Rede Tumulto, que surgiu a partir de um coletivo que já atuava em diversas favelas, mas ainda não tinha um nome. No ano passado, nós sentimos a necessidade de nomear nossa articulação inclusive para conseguirmos acessar algumas coisas mais burocráticas. Nosso grupo não é só aqui na periferia da cidade, mas também é uma articulação nacional. Quem constrói a Rede Tumulto atualmente são, em sua maioria, pessoas faveladas, mas também contamos com a contribuição de pessoas de fora da favela que nos ajudam na escrita e para colocar atividades em prática, como pessoas que têm carro para nos ajudar no transporte. A base é feita da periferia, principalmente da Zona Norte e Oeste, e a concentração da base está no bairro do Totó, onde temos muitos jovens. Compreendemos cada vez mais que o coletivo é itinerante e a necessidade de estar em vários lugares é porque o nosso corpo transita em vários espaços. Essa compreensão é importante porque por vezes existe uma política interna na favela que não se consegue construir uma atividade, mas uma pessoa consegue construir em uma outra comunidade. Nós fazemos esse revezamento e essa troca. Nós dialogamos e sabemos da importância de trocar e aprender com outros coletivos da cidade para falar sobre as temáticas que nos tocam. A Rede Tumulto tem a coordenação de três pessoas: eu, Yane; a Fernanda Paixão, designer gráfica, e o Rick Almeida, editor de imagens. Nós três nos identificamos bastante e trabalhamos também como educadores e mobilizadores sociais dentro dessas comunidades. A Rede se expandiu bastante, temos um grupo geral de quinze pessoas, que são as pessoas mais próximas que atuam nas atividades administrativas, financeiras e com a escrita de projetos, e temos articulação em mais de treze comunidades que a Rede atua. O nosso objetivo desde o começo é fazer com que cada pessoa que receba um cartaz e uma cesta básica compreenda que ela também faz parte da Rede Tumulto. Tem o bônus de ganhar aquilo, mas compreendendo a responsabilidade de entender o que significa para nós como periféricos precisarmos de alimentação na pandemia. Enquanto outras pessoas têm outros monstros, outros filmes de terror, os nossos monstros são muito mais visíveis no dia a dia do que outros.
Instituto Pacs: Como você vê o impacto da pandemia sobre o seu território e sobre as pessoas? E como foi esse processo para você pessoalmente?
Yane: Nós trabalhamos com a comunicação e apesar de não falarmos sempre sobre os temas da periferia, nós somos seres periféricos e isso nos mobilizou para estar na linha de frente da arrecadação de alimentos e kit de higiene. Primeiro, nós tivemos um grande desafio de fazer a população acreditar que o vírus existia de verdade. Na favela, é difícil ter acesso ao medo, ao pavor, porque nós já vivemos isso no cotidiano com a perda dos nossos. Mesmo depois de um ano, ainda existem alguns desafios e mitos e para algumas pessoas é difícil acreditar que exista o vírus. A segunda etapa desafiadora é fazer a população acreditar que elas têm direito à vacina, que ela é importante e que não é nada de ruim como dizem as fake news. Desde as eleições é muito difícil trabalhar enquanto coletivo de comunicação para lutar contra as grandes mídias. Além de não ter o apoio e acesso a elas, nós temos que lutar contra um presidente da República falando o que quer em um canal de TV, um dos meios de comunicação que mais acessa a favela. E apesar das pessoas acharem que via internet nós falamos com todos, nós realizamos uma pesquisa sobre isso e o que realmente chega para as pessoas como material de comunicação e informação ainda é a TV, é o boca a boca, é o cartaz. Nós passamos por esse desafio de fazer a comunidade acreditar na existência do vírus. Nossa coleta de dados mostrou pessoas que, por exemplo, não acreditam no vírus, se protegem e perderam pessoas para o COVID-19. Com essas amostragens, nós conseguimos compreender essa confusão por falta de acesso. E é diferente do senso comum sobre as pessoas periféricas vistas como “alienadas” porque é realmente difícil lutar contra um inimigo “invisível”. Mesmo assim, nós tivemos um resultado incrível por conseguir comunicar a linguagem da favela, a linguagem dos nossos amigos. Nós tivemos acesso aos cartazes da Prefeitura, mas não tinham nada a ver com a nossa realidade. Isso nos motivou a desenvolver nossos próprios cartazes em oficinas coletivas com os integrantes da Rede e esse material circula em mais de 25 comunidades atualmente. Os cartazes têm um valor importante para fortalecer a Rede. Recentemente, nós fizemos a distribuição de 200 cestas básicas e cada uma delas tinha um dos nossos cartazes. Nós explicamos a importância de se responsabilizar pela sua família, pelo vizinho, pela comunidade, relembrando sobre o uso das máscaras, como um agente de ação naqueles locais, criando uma co-responsabilidade pela comunidade. Nós não queremos ser taxados como os jovens e pessoas que acessaram outra realidade e precisam ensinar algo para o público alvo, até porque já vivenciamos isso. Nós acreditamos em uma construção coletiva não romantizada, que as pessoas tem que se responsabilizar e fazer o seu próprio corre para ajudar a comunidade.
Instituto Pacs: O que você destacaria como os maiores desafios?
Yane: Foi fazer uma comunicação efetiva para as pessoas entenderem o que estava sendo discutido no Congresso a partir do que nós escrevêssemos nos cartazes. Nós conseguimos romper algumas barreiras e visualizar o que funciona, porque diferente do que muitas pessoas vendem como “uma comunicação de periferia”, cada periferia tem a sua comunicação única. E nós queremos fazer uma pesquisa no futuro para mapear como funciona cada um dos territórios em que a Rede atua. Tem favela que funciona colocar um podcast tocando na bicicleta, outras que são os cartazes, algumas podemos fazer um cineclube. Cada favela tem uma forma de se comunicar bem definida, a partir do que a população gosta mais, qual horário funciona a circulação da informação. Nós conseguimos identificar um pouco esses aspectos, só não fizemos mais por conta das limitações apresentadas pela pandemia. Queremos fazer um estudo para entender como queremos investir com pouco nas coisas que nos darão retorno efetivamente. Sobre as cestas básicas, a solidariedade e cumplicidade dentro da favela foi algo muito importante. Nós distribuímos cestas e mais pessoas pediram, só que não tínhamos mais para doar. Aconteceu que aquele que recebeu dividiu com alguém que às vezes nem conhece. Essa cumplicidade nós vemos também nos nossos articuladores locais que não recebem nenhum dinheiro pelo trabalho. Não é justo, mas a Rede Tumulto ainda não tem condições… E mesmo assim, depois de um dia de trabalho, eles colaboram para montar uma lista, fazer as divisões, de forma aberta. O que entendemos é que não adianta só distribuir, apesar de todos estarem com fome. Nós sabemos que as pessoas têm que saber de onde vem o alimento, principalmente que não é associado a nenhum partido político, mas que também é um ato político, porque são outros periféricos ou instituições que não só estão falando da periferia, mas que estão fortalecendo com a ação. Fazemos questão de estarmos próximos das pessoas para sair dessa lógica de que são só números para não replicarmos o que fazem conosco, o que a televisão mostra sobre quem vive na favela, “mais um número”. Queremos saber o nome, telefone de cada pessoa que recebe nossa cesta ou um cartaz. Queremos que ela acesse nosso conteúdo e que participe da construção dos nossos projetos futuros. Como vamos saber o que funciona para as comunidades se não trabalharmos com as pessoas? A pandemia veio para mostrar que nós não temos ninguém pela gente, somos nós por nós como sempre foi.
Instituto Pacs: Além das redes sociais, como é feita a comunicação mais direta com a população?
Yane: Usamos três principais. Primeiro, o diálogo com a própria comunidade. Percebemos que não adiantava ter uma sede, que inclusive tivemos que entregar por não ter condições de manter. Também tinham as questões de segurança em relação às próprias regras da comunidade, uma vez que trabalhar com câmeras dentro da favela é uma construção de confiança demorada para as pessoas entenderem para onde vão aquelas imagens. Conseguimos construir isso ao trabalharmos junto com a juventude, que estava sem ir para a escola ou estava desempregada, e fizemos isso remunerando com pouco esses jovens que estavam proibidos de trabalhar (na praia e nos salões de beleza, por exemplo). A nova geração está ensinando muito para nós, sobre qual é a linguagem, o que funciona. Aprendemos que para falar com uma menina preta sobre política pública podemos primeiro falar sobre transição capilar ou religiosidade, porque ao dizer que aquilo faz parte do cotidiano, do ser dela, em um futuro é possível engajar essa jovem a falar em uma audiência pública, dentro de redes, se expressando e se entendendo como ser político. A estratégia de conversa e escuta foram essenciais para compreender como as pessoas estavam se sentindo na pandemia. Não fazia sentido chegar apenas com as demandas e não ter um momento de ouvir a narrativa delas, seja a violência que estava sofrendo da família ou do Estado.
Instituto Pacs: E como são as ações através da internet?
Yane: Entendemos muito que a internet não chega em todos e tínhamos debates sobre que informações chegavam de forma mais efetiva. Somos um coletivo mais forte no audiovisual, mas temos que nos readaptar. Se é o TikTok que chega em todo mundo, em vez de criticar a rede social, procuramos fazer uma dança que possa trazer uma temática importante. Organizamos também formações políticas com os jovens de três periferias e o próprio processo de formação foi colocar três favelas que não se conheciam para conversar e se ver. Acredito que a estratégia é entender que temos que comunicar para além da Rede Tumulto. Uma das maiores coisas é fazer a ocupação e disputa da rede de internet, foi assim que conseguimos várias doações e ampliamos o trabalho da Rede, mas também é preciso assumir que ela é limitada. O maior desafio para nós é o processo de estudar o que funciona para cada comunidade e nós observamos que enquanto nós levamos três vezes mais tempo para realizar algo, alguns coletivos conseguem desenvolver bem mais rápido. Há uma angústia pessoal de não acreditar que estamos fazendo algo, mas quando vemos que uma mãe procura por nós ou quando vamos na comunidade e os moradores nos reconhecem, isso nos ajuda a compreender que, apesar da demora, somos nós que precisamos estar a frente disso e não esperar por outros grupos, pelo governo. É entender que não podemos nos acomodar na crítica, nas dificuldades de entrar nos espaços. Na militância isso é muito comum, entrar em rodas de debate críticos, lives, e ficar apenas nisso. A Rede tem estratégias para além de criticar, é para combater, desviar e hackear. Não é fácil. Hoje mesmo eu estava em uma Secretaria da Mulher escutando que a polícia funciona de uma forma totalmente diferente de como funciona dentro da minha comunidade. Isso só me dá mais gás para voltar para a favela e usar da Rede Tumulto para hackear e denunciar o que eles vendem como verdade.
Instituto Pacs: Como você observa os impactos ao território?
Yane: Um dos impactos que mais observamos foi na vida das mulheres, as chefes de família. Elas eram a maioria que fizeram o cadastro conosco, realizado a oficina e ter um momento de escuta no final do ano passado. Foi um momento para aquelas mulheres entenderem que aquele era um corpo que vivenciou tudo aqui, todo aquele ano. Porque sem a pandemia já se observa o peso da rotina das mulheres de periferia, sempre com inúmeras demandas para resolver, fora e dentro de casa, e no ano passado esse peso foi três, quatro vezes maior… Chegamos ao final do ano e ouvimos os relatos de que aquelas seriam as únicas três horas que elas conseguiriam se olhar e dizer: “eu dei conta de tudo isso e consigo fazer outras coisas, consigo tocar outros sonhos.” Tiveram mulheres que nos disseram que aprenderam a ler na pandemia… Uma das coisas que nós gostamos de externalizar é que sabemos que a desgraça vende. Somos um grupo periférico e se nós focarmos só nas coisas ruins ou no que necessitamos conseguiríamos as coisas mais rápido. Para falar dessas coisas já apareceram oportunidades de fazer matérias de jornal, mas nós não queremos, nós somos comunicadores mas não queremos comunicar só as coisas ruins. Queremos falar também dessa mulher que apesar de ter sofrido, aprendeu a ler na pandemia. Essas mulheres também têm uma auto organização e fazem um terço semanalmente. Ao invés de nós criticarmos que aquilo é da Igreja, nós pensamos como aproveitar essa reunião e também convidá-las para conversar sobre outras coisas. Acredito que o maior impacto da pandemia foi sobre a vida das mulheres. Vimos pessoas oferecendo a troca de um fogão por uma cesta básica. Muitas delas pegaram nosso telefone para desabafar, contando que o marido está preso… Essa falta de lugar de escuta é algo muito grande na vida delas. E falando sobre a saúde mental para além do COVID-19, as pessoas tinham doenças. A quantidade de mulheres que nos falaram que gastaram todo o dinheiro do auxílio emergencial para comprar remédios foram várias. Outros tipos de doenças abalaram essas pessoas. Quando a faxina diminui, a pressão da minha mãe sobe. Desde o início da pandemia até ontem segue sendo assim. É difícil não falar sobre outra coisa, combater as coisas... O impacto principal foi sobre a vida dessas mulheres que são donas de casa e isso nos fez entender que a escuta é um processo formativo para nós podermos dar o outro passo.
Instituto Pacs: E sobre a vacinação, como está esse processo na sua comunidade?
Yane: Quanto a vacinação, nós estamos tendo um pouco mais de diálogo sobre. Todos nós estamos muito desacreditados e não culpo a comunidade pela alienação, mas estamos lutando contra um presidente na televisão, uma figura que sempre foi vista com relevância. Ele vai para a televisão dizendo que não precisa usar máscara, que não é uma doença real. Como competir com isso? Vejo um papel importante nas mulheres, mas também nas crianças. É essencial fazer elas entenderem a importância de usar máscara, de se cuidarem, entendendo que aquela criança é um ser político. Digo isso porque quando falamos com elas, eu digo “E quando você quer comprar algo que sua mãe nem tem condições de comprar, mas ela sempre traz pra você? Então, é desse mesmo jeito, dizer para a mãe tomar vacina por você.” Isso fez muita diferença porque hoje na minha favela vejo crianças de seis anos falando sobre a vacina. Não necessariamente foi a Rede Tumulto que ensinou, mas penso que a nossa comunicação e a de outros grupos de Recife conseguiram fazer essas informações chegarem. No grupo da família, já vejo as pessoas falando que é preciso tomar a vacina não só por si mesmo, mas pelo coletivo. Essa responsabilidade é difícil de entender na periferia porque a nossa dor, a nossa violência, a humilhação que nossas mães passam na casa dos outros nunca foi comprada por todo mundo. E hoje nós somos obrigados a pactuar e dizer que pensamos um no outro. Tem um discurso que nós não romantizamos, que nós problematizamos. Existe um discurso que nós preferimos fazer de forma mais dura dizendo “Se você não tomar, você vai morrer.” O diálogo da Rede Tumulto às vezes tem que ser frio, sem filtro, porque é o diálogo que funciona. É o diálogo que a minha mãe usa comigo, que as mulheres mais velhas usam conosco e é o diálogo que as crianças também usam com as mais velhas.
Instituto Pacs: Quais são as redes sociais e quais as formas de financiamento coletivo da Rede Tumulto? E a partir de toda a sua trajetória, como a Rede Tumulto olha para o futuro?
Yane: A Rede Tumulto só tem o Instagram por enquanto, o @redetumulto. Lá tem o link da nossa vaquinha, que é “De Bucho Cheio”. Essa é a nossa terceira vaquinha. A primeira foi a “Enche Panela”, porque estavam rolando as movimentações de bater panela e nós dialogamos de outra forma. Bater panela nunca encheu nossos pratos de comida na favela. A segunda foi “Chega Junto de Longe’”, com o intuito de chamar as pessoas que estavam longe para ajudar e foi uma vaquinha compartilhada junto com a Cores do Amanhã e Pela Vida das Nossas Mães. E agora temos essa terceira, “De Bucho Cheio” que tem tido um ritmo muito menor de doações porque as pessoas acreditam que as coisas voltaram ao normal, mas o impacto não é assim. A lata de óleo, o gás de cozinha, o preço dos produtos básicos aumentando, a energia elétrica… As mulheres ontem se emocionaram quando fomos entregar cestas porque tinha uma lata de óleo… Ou dizendo que vão comprar mistura porque agora tem arroz e feijão. Quem nunca vivenciou isso não sabe o que significa essa emoção. Seguimos precisando de muitas doações e somos muito honestos com a prestação de contas. Não só gastamos com as cestas, mas também com a comunicação que anda junto, porque além do problema de receber as doações, não temos o transporte. Quem puder contribuir com qualquer valor é uma ajuda, mesmo que seja só de R$ 10 em R$ 10 vamos conseguindo tocar as coisas. E com as instituições parceiras trocamos também, fizemos algumas atividades, ações de comunicação e cestas Temos essa transparência muito clara, inclusive vamos fazer a prestação de contas do transporte para externalizar o quanto nós gastamos. Isso também tem a ver com como pensar no futuro. Não é só conhecer as pessoas desses outros espaços, mas estar nesses lugares. A televisão já constrói um imaginário e se não nos comunicamos, sempre estaremos em conflito, brigando uns com os outros. Vivemos na espera de que o governo não nos discrimine, sendo que nós mesmos nos discriminamos uns aos outros. Há um grupo de karatê que gera muitas oportunidades para a juventude daqui sair do crime e nós queremos fazer uma parceria com eles para aulas de formação. E nós comentamos que infelizmente são perfis como os desses jovens que discriminam e batem nessas pessoas. Não digo isso porque são eles que fazem, mas é o mesmo debate que temos com a branquitude. Se a gente não abordar isso com meninos de 15, 16, 17 anos, quanto mais velhos, mais difícil será a desconstrução. O que a Rede Tumulto vai fazer para o futuro será criar estratégias e juntar iniciativas. Não tem porque criarmos algo que já existe, é importante conectar as iniciativas, mostrar a importância daquela auto organização. Queremos trabalhar as políticas de formação e difusão do que funciona, a valorização do que a comunidade já faz, mostrar para eles o que eles já fazem de muito bom. Queremos mostrar isso em todas as comunidades que atuamos e em rede com outros coletivos. Queremos conseguir colocar em prática a ideia do que tínhamos desde o início, que era o tumulto, a cidade acordar. Por exemplo, organizar uma ação do direito a sonhar das meninas negras. É dialogar entre os grupos de periferia para não cair nas armadilhas que o governo faz, que a prefeitura faz ou que as organizações maiores fazem para a gente disputar entre nós mesmos.
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