Em 2021, a siderúrgica Ternium Brasil, antiga TKCSA, localizada no bairro de Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, passará por um processo de pedido de renovação da sua Licença de Operação. Nesse contexto, lançamos hoje a Campanha “Licença pra quê?”, com o objetivo de questionar os impactos causados por um dos maiores complexos de siderurgia da América Latina, denunciar o descaso com a população desde a instalação e buscar do poder público a aplicação dos critérios para decidir sobre a licença.
A ação é uma iniciativa do Instituto PACS e do Coletivo Martha Trindade, em parceria com o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS), a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale (AIAAV), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o Instituto Internacional Arayara e a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ).
Segundo os organizadores, a campanha é construída com o objetivo de reivindicar do poder público que exija da Ternium o cumprimento dos requisitos para decidir sobre o pedido de renovação da Licença de Operação, considerando os danos já causados ao território e à população. “Vamos seguir denunciando as violações cometidas pela empresa e buscar justiça para os moradores que convivem com problemas de saúde, principalmente respiratórios, provocados pela poluição da siderúrgica; que perderam o seu sustento com a inviabilização da pesca e da agricultura de subsistência; que tiveram danos materiais em suas casas, nunca ressarcidos; e que, sobretudo as mulheres – que já trabalham demais – ficam com sua jornada ainda mais extensa e se sobrecarregam no cuidado diário com suas famílias, casas, roupas, quintais, que são poluídos pelo pó preto (material particulado emitido no ar) lançado pela empresa”, afirma Wanessa Afonso, moradora de Santa Cruz e integrante do coletivo Martha Trindade.
Em setembro de 2006, o grupo alemão ThyssenKrüpp e a Companhia Siderúrgica do Atlântico Sul (CSA) inauguraram a pedra fundamental da obra de implantação do complexo siderúrgico na zona oeste do Rio de Janeiro. Nascia a TKCSA, localizada no bairro de Santa Cruz, ao lado da Baía de Sepetiba, onde residem mais de 200 mil pessoas (Censo/IBGE 2010).
O empreendimento, que entrou em operação em 2010, hoje tem capacidade de produzir 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano. Em 2017, a TKCSA foi vendida por cerca de R$ 5 bilhões para a empresa ítalo-argentina Ternium. Durante todo esse período, a história da siderúrgica foi marcada por denúncias de violações de direitos humanos e ambientais.
A empresa nunca esteve em acordo com as boas práticas de licenciamento ambiental. A começar pelos seis anos em que atuou sem licença de operação dos órgãos ambientais do Rio de Janeiro, o que só veio a ocorrer em 2016, em meio a protestos. Essa leniência do Estado rendeu ao ex-governador Sérgio Cabral uma ação de improbidade administrativa pela autorização ilegal do funcionamento do Alto Forno 2, que beneficiou a siderúrgica em 2010, ano em que ocorreu a “chuva de prata”, uma forte poeira prateada emitida pela empresa, que invadiu as casas do entorno da usina. E não parou. Em 2012, durante a Rio+20, a mesma chuva de prata ainda caía fortemente sobre os moradores. Hoje, mesmo que mais fina, após a obrigatoriedade de instalação de um filtro pela justiça, ela continua caindo sobre as residências.
Além da contaminação das águas e do ar, comprometendo a saúde da população, especialmente com doenças respiratórias, agravadas no contexto da pandemia, moradores também se queixam dos prejuízos causados pela obra de instalação da siderúrgica, que resultou em alagamentos e rachaduras nas casas.
Para quem vivia da pesca na região, os impactos foram ainda maiores. “Quem sentiu primeiro foram os pescadores, agricultores e moradores da região. Então ficou muito difícil viver aqui e ter a esperança de continuar vivendo aqui por mais dois, três anos”, lamenta Jaci, pescador que desde os 8 anos tirava seu sustento na Baía de Sepetiba, no rio Guandu e no canal São Francisco. Após a instalação da empresa, o pescado caiu em quantidade e qualidade, comprometendo a renda de centenas de famílias.
“Muitas pessoas daqui se queixam de incômodos e problemas de saúde, sem saber que têm relação com a empresa”, afirma Margarete, moradora do conjunto São Fernando, no bairro de Santa Cruz. Ela também denuncia um cheiro semelhante ao de querosene, no ar do bairro, causado pela poluição da Ternium. “De madrugada, a produção aumenta e o céu fica alaranjado”, conclui.
Já para Flávio Rocha, morador do bairro, pesquisador e membro do Coletivo Martha Trindade (coletivo de juventude do bairro de Santa Cruz), a siderúrgica tenta maquiar os problemas causados adotando uma política de “responsabilidade social”, financiando projetos sociais, reformando escolas e concedendo bolsas e prêmios aos mais jovens. O que seria uma pequena compensação obrigatória, vira propaganda da empresa no território. “Se você olhar o bairro, é repleto de outdoors da Ternium com o discurso de que empresa e comunidade crescem juntos. Ela não abre mão de construir uma legitimidade com o bairro, uma parceria”, destaca Flávio.
Diante do processo de renovação da licença para a operação da Ternium, moradores, moradoras e organizações sociais se mobilizam para reiterar as denúncias e pressionar para que todo o histórico de negligência com a legislação ambiental e violação dos direitos das pessoas atingidas sejam determinantes para pensar a continuidade ou não do funcionamento da empresa.
No contexto da campanha “Licença pra quê?”, Rafaela Dornelas, do Instituto PACS, criticou o processo de licenciamento para megaempreendimentos, já que há 15 anos a siderúrgica da Ternium, antiga TKCSA, é alvo de uma série de denúncias e ações judiciais. “Afinal, a licença é para a Ternium continuar com sua produção em larga escala, multiplicando o lucro de seus acionistas? Ou também será uma licença para que a empresa siga com o descaso com o território, poluindo, prejudicando a saúde dos moradores, interditando as formas de vida praticadas historicamente? São muitos anos de danos às famílias que vivem no entorno, até hoje sem reparação. É possível que, no contexto de pedido de relicenciamento, o poder público ignore mais uma vez a vida e os direitos da população de Santa Cruz? As vidas nos bairros majoritariamente negros, empobrecidos e vulnerabilizados valem menos? Quanto custam? O lucro não pode estar acima da vida.”, questionou.
Para visualizar e assinar nossa carta de adesão ampla, clique aqui: https://bit.ly/3mO9EWB
Seguem abaixo, links para saber mais sobre o caso:
Site Campanha Pare Ternium: https://pareternium.org/
Baía de Sepetiba: fronteira do desenvolvimentismo e os limites para a construção de alternativas: http://biblioteca.pacs.org.br/publicacao/baia-de-sepetiba-fronteira-do-desenvolvimentismo-e-os-limites-para-a-construcao-de-alternativas/
Relatório Violações de direitos humanos na siderurgia: o caso TKCSA: http://biblioteca.pacs.org.br/publicacao/relatorio-violacoes-de-direitos-humanos-na-siderurgia-o-caso-tkcsa/
Quintais e Usinas: o dia a dia de violações de direitos da produção de aço no Brasil: http://violacoesnasiderurgia.pacs.org.br/
O aguaceiro da Ternium Brasil: a sede a vontade de beber da siderurgia: https://diplomatique.org.br/ternium-a-sede-da-siderurgia/
Ternium/CSA: mais de uma década de violações sem resposta: https://pacsinstituto.medium.com/ternium-csa-mais-de-uma-d%C3%A9cada-de-viola%C3%A7%C3%B5es-sem-resposta-10fa750b7895